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A segunda década da cloud computing

O grande contributo (e desafio) que o período deverá trazer para os gestores portugueses será permitir que as organizações que lideram prosperem, mas sujeitas a uma evolução "darwiniana" mais acelerada, diz David Faustino, director comercial da Glintt.


Ilustração da cloud computing

Sendo o termo uma buzzword do século XXI, o conceito de computação na Cloud remonta aos anos 70, aos primórdios da criação das "máquinas virtuais". Com a aproximação do ano 2000, e durante a bolha das "dotcom", foram efetuados avultados investimentos em "empresas da Internet", que em muito contribuíram para o desenvolvimento da tecnologia que hoje suporta a Cloud.

Muitas empresas falharam redondamente. Uma delas sobreviveu, e foi pioneira no movimento para a Cloud. Jeff Bezzos (e a sua Amazon, até então um Marketplace de artigos físicos) lançou a Amazon Web Services em 2006, anos antes dos gigantes tecnológicos terem compreendido o potencial deste mercado e lançado as suas ofertas de Cloud.

Passados 12 anos após o lançamento da Amazon Web Services, a Cloud é uma realidade incontornável. A Gartner, empresa de referência na análise do mercado de tecnologia, estima que a Cloud tenha valido 260 mil milhões de dólares em 2017 (aproximadamente mais 30% do que o PIB de Portugal), e prevê que atinja o valor de 400 mil milhões de dólares em 2020 (o dobro do PIB nacional).

Desafio para as empresas e economias

Sendo em si um tema técnico, a Cloud é - em termos empresariais - uma importante ferramenta para a competitividade das organizações, sobretudo pela agilidade e potencial de inovação que possibilita. Em termos macroeconómicos, é decididamente um catalisador da globalização, tão relevante como foi a máquina a vapor na revolução industrial.

A Cloud está a eliminar as barreiras entre os mercados locais/nacionais e o mercado global -recordemos o impacto da Amazon nas livrarias portuguesas, e numa perspetiva positiva, o sucesso da Farfetch - avaliada em mais de mil milhões de euros - à escala internacional. Indiretamente, pressiona reguladores nacionais e internacionais para liberalizarem mercados altamente regulados: em vários países da Europa os bancos tradicionais estão sob fortíssima pressão de novos bancos digitais e plataformas de gestão financeira, apesar de em Portugal ainda não sentirmos muito esse efeito (a SIBS está a lançar novas ferramentas e a ocupar este espaço, mas é uma entidade participada pela banca "tradicional", e por isso não-concorrente).

E está, sobretudo, a ligar pessoas, empresas e entidades públicas entre si, criando um gap cada vez maior entre os "digitalizados" e os "não-digitalizados". A IDC, outra das empresas de referência na análise do mercado de tecnologia, antecipa que em 2021 pelo menos 50% do PIB mundial seja suportado por plataformas digitais, prevendo que o crescimento económico em todas as indústrias seja impulsionado por novas ofertas, operações e relações geridas digitalmente.

Os objetivos e princípios da gestão das empresas manter-se-ão imutáveis. A Cloud tem sobretudo eliminado barreiras, a trazido inovação e a acelerado a competitividade numa escala sem precedentes na humanidade. E esta tendência apenas irá ser mais acelerada no futuro.

Gostaria ainda de deixar uma nota para a relevante redução da importância de economias de escala: a Estónia é considerada pela ONU uma das nações (e governos) digitalmente mais avançadas do Mundo. Este país tem apenas 1,3 milhões de habitantes, ou seja, 30% menos do que a área metropolitana do Porto.

Grande parte dos gigantes da Internet (Whatsapp, Uber, mesmo a Farfetch) têm menos de 10 anos, tendo crescido do zero. Se no século XX a economia de escala foi um fator competitivo de fortíssimo peso para a competitividade das empresas e nações, o século XXI irá pautar-se por um maior equilíbrio entre as economias de escala e a capacidade de inovação e digitalização dos países e das empresas.

Desafio para os líderes portugueses privados e públicos

A tecnologia já não é um tema dos gestores de sistemas de informação das empresas, mas sim de todos os líderes de negócio e dos gestores das entidades públicas. Neste nível das organizações a capacidade de inovar e aplicar a tecnologia em contexto de negócio passou a deter uma importância comparável à própria capacidade de liderança.

De modo a que as entidades que lideram continuem a crescer (ou mesmo sobreviver), os gestores devem investir, seriamente, tempo (incluindo o próprio) e recursos na transformação dos modelos de negócio das entidades que lideram, e na forma de estas se relacionarem com os seus clientes e fornecedores.

O Governo, por seu lado, tem um papel importante a desempenhar em vários vetores:

- na utilização da tecnologia dentro de cada ministério e entre ministérios, de modo a conseguir ganhos de eficiência e maior agilidade da "máquina do Estado";

- na legislação e políticas de investimento que agilizem e potenciem a investigação e desenvolvimento de tecnologia avançada em território nacional;

- na simplificação da relação dos cidadãos e das empresas com o Estado, e entre si.

A Chave Móvel Digital, criada pela Agência para a Modernização Administrativa, é um excelente exemplo de uma iniciativa que não só permitirá um salto enorme na simplificação da relação dos cidadãos com o Estado (por via eletrónica).

A retoma do investimento por parte do Governo português será essencial para o país recuperar competitividade, pois temos perdido terreno para outras nações: Portugal recuou para o 15º lugar (caindo uma posição) do ranking no Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade de 2017 da Comissão Europeia, tendo contribuído para este facto a quebra relevante na categoria de "serviços públicos digitais", que não conseguiu ser compensada pela melhoria da performance do país nos outros quatro vetores de avaliação: conectividade, capital humano, utilização da internet e integração das tecnologias digitais.

Apesar deste resultado, existem indicadores de que estamos no bom caminho, e sobretudo um plano claro de como melhorar a competitividade no contexto público: o documento de estratégia para a transformação digital da administração pública portuguesa TIC 2020 contém uma visão completa do que o governo pretende realizar para contribuir para o aumento da competitividade do país, baseada em três eixos: (1) integração e interoperabilidade, (2) inovação e competitividade e (3) partilha de recursos e investimento nas competências digitais.

Áreas funcionais em que as organizações podem tirar partido da Cloud

Não obstante a heterogeneidade de desafios das empresas de diferentes indústrias e a especificidade das várias entidades governamentais, é possível atribuir uma relação entre as tecnologias mais inovadoras baseadas em Cloud (que atingiram recentemente o estado de maturidade de "aplicabilidade no mundo real") e as áreas funcionais das organizações.

Assim, e de forma muito resumida e seguramente não-exaustiva, poderemos associar:

- às áreas comerciais tecnologias como sistemas conversacionais (processamento de linguagem natural, sob a forma escrita ou oral), para formalização de contratos/aquisição de serviços sem interação humana da parte da empresa vendedora, e inteligência artificial, criando dinamicamente perfis de clientes com base em dados de consumo e partilha pública de informação de cada individuo;

- às áreas de serviço ao cliente tecnologias como Internet of Things (permitindo por exemplo acompanhar individualmente e continuamente o estado de saúde das populações) e realidade aumentada (permitindo uma reunião em que o gestor de conta de um banco seja "projetado" à frente do seu cliente, apesar de na realidade estar fisicamente a 500Km de distância);

- às áreas de produção industrial e de backoffice tecnologias como automação de processos/robótica e sistemas cognitivos, analisando quantidades sobre-humanas de informação para identificar oportunidades de melhoria em áreas como distribuição logística, e permitindo trabalhar em regime 24×7 com elevado nível de exatidão.

Esta "digitalização" da economia poderá trazer uma oportunidade fantástica para um pequeno país como Portugal, com uma economia aberta, excelentes condições de atração de investimento externo, e um bom sistema de educação. A abertura de cada vez mais centros de competência em tecnologia por parte de grandes entidades em Portugal (Google, Credit Agricole, Mercedes, etc, etc) é uma prova disso.

Mas para as empresas, os cidadãos e o país realizar todo o potencial que detém, todos, sem exceção, devem apostar na educação, na conversão tecnológica e na inovação. Esta não é uma responsabilidade apenas do governo e das empresas. É uma responsabilidade de cada um de nós, numa perspetiva pessoal e também profissional.

Conclusão

Este é o grande contributo (e desafio) que a 2ª década da Cloud traz aos gestores portugueses: permitir que as organizações que lideram se desenvolvam e prosperem num mundo mais ligado entre si, com enorme agilidade, à escala global, numa época em que os princípios básicos da teoria da evolução de Charles Darwin se mantêm, mas são sujeitos a uma evolução mais acelerada: cada vez mais, os que mais rapidamente se adaptarem são os que sobreviverão e irão proliferar.

Para ganharem este desafio, e garantir que se perpetuam, as empresas portuguesas têm de colocar a Cloud (e a transformação digital que esta potencia) no topo das suas agendas, investindo estrategicamente recursos e talento, e endereçando um mercado cada vez mais global.

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