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Proposta Variante - Estímulo à inovação em Compras Públicas

O novo Código dos Contratos Públicos traz melhorias, mas fica sujeito à visão de quem decide. E cabe às autoridades alertar para os riscos de se lesar o Estado devido a práticas mais medrosas e antigas, sugere Carlos Costa, da Quidgest.


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A possibilidade de se poder apresentar, por omissão, uma proposta variante ao caderno de encargos, é um forte estímulo à inovação para o setor público. Com o novo CCP - Código dos Contratos Públicos, sempre que, num processo de consulta, o caderno de encargos não mencionar explicitamente que não se aceitam propostas variantes, elas podem ser feitas.

O hospital que comprou painéis solares em vez de ar condicionado*

A inovação é um dos vetores da contratação pública estratégica. Um dos exemplos de sucesso aconteceu na Polônia, no caso que passamos a descrever.

Muitos dos quartos nos hospitais polacos atingem temperaturas elevadas durante o verão, com impactos negativos sobre o bem-estar dos pacientes. A situação assumiu contornos tais que, através de uma Portaria do ministro da Saúde Pública, os administradores hospitalares ficaram obrigados a instalar "equipamentos de bloqueio do sol nos quartos de pacientes expostos à luz solar excessiva", até final de 2016.

No Hospital do condado de Sucha Beskidzka, nos quartos dos pacientes muito doentes (frequentemente idosos), nas salas de recuperação pós-operatória, nas salas de ortopedia e cirurgia unidades de urologia e unidades de AVC, as temperaturas chegavam a atingir 29º C. A Administração do Hospital decidiu, então, fazer uma consulta técnica ao mercado para que fossem encontradas "soluções econômicas e de baixo carbono", que garantissem o conforto térmico dos pacientes e do pessoal.

Concorreram 19 empresas e consórcios, tendo sido identificada como a melhor solução a proposta de toldos fotovoltaicos, que deveriam ser colocados nas paredes exteriores do hospital viradas a sul. Desta forma, conseguiu-se o resultado pretendido, de forma inovadora, ficando o hospital com o problema resolvido, e ainda com receitas energéticas - o que não sucederia se tivesse optado pela aquisição tradicional de toldos e equipamentos de ar condicionado.

Artigo 59.º do CCP - Propostas variantes

Diz o 59.º do CCP, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017:

1 - São variantes as propostas que, relativamente a um ou mais aspetos da execução do contrato a celebrar, contenham atributos que digam respeito a condições contratuais alternativas, nos termos expressamente admitidos pelo caderno de encargos.

2 - Nos casos previstos no número anterior, é sempre permitida a apresentação de propostas variantes, salvo quando o programa do procedimento não o permita
expressamente, sendo que a apresentação de propostas variantes implica a apresentação de proposta base.

Claro que ainda é possível à entidade adjudicante dificultar ou impedir, sempre que entender, a apresentação de propostas variantes. Porém, esse será um forte indicador da sua visão mais conservadora.

O número de procedimentos, com possibilidade de apresentar propostas variantes, é agora um dinamizador do grau de inovação dessa instituição. Espero que este ponto 2 possa ser melhorado no futuro e que a proposta variante seja sempre possível.

Consulta preliminar

Claro que uma consulta preliminar ao mercado permitirá também a elaboração de cadernos de encargos mais modernos e inovadores além de que, como diz o preâmbulo do Decreto-Lei nº 111-B/2017, são boas medidas de transparência e gestão pública. Antes de um procedimento de contratação, a instituição pode sondar o mercado, a fim de preparar o procedimento, fixando mecanismos para que isso não se traduza em perda de transparência ou prejuízo para a concorrência.

De acordo com o Artigo 35.º-A do CCP, antes da abertura de um procedimento de formação de contrato público, a entidade adjudicante pode realizar consultas informais ao mercado, designadamente, através da solicitação de informações ou pareceres de peritos, autoridades independentes ou agentes económicos, que possam ser utilizados no planeamento da contratação.
Este tipo de consultas, conhecidas por Source Sought nos Estados Unidos e Pre-Commercial Procurement (PCP) na Europa, já são praticadas, há algum tempo, nas instituições públicas mais ousadas e inovadoras.

O CCP revisto vem agora dar um maior incentivo e conforto ao decisor nacional.

Outras mudanças no sentido da inovação

Continuando a ser possível adjudicar tendo por referência apenas o preço mais baixo, a modalidade regra para adjudicação passa a ser a da melhor relação qualidade-preço. Todas as valências inovadoras dos fabricantes, produtos e serviços nacionais, são fatores que podem ser valorizados pelo adjudicante e, em igualdade de preço, levar à sua preferência.

Outra melhoria é a promoção da adjudicação de contratos em lotes, para incentivar a participação das pequenas e médias empresas. Sabe-se que é nas empresas mais pequenas, incluindo as startups, que residem as ideias, propostas e produtos mais inovadores.

Aparece também, neste CCP revisto, a "parceria para a inovação" como um novo tipo de procedimento, para investigação e desenvolvimento de bens, serviços ou obras inovadoras, uma espécie de parceria público-privada que levanta ainda grandes dúvidas e riscos de utilização.

Melhor software de gestão

Há muito software de gestão obsoleto ou com custos extremamente elevados de manutenção e licenciamento que pode agora ser substituído por outros sistemas ou abordagens diferenciadoras. Preferencialmente soluções inovadoras de origem nacional, como é o caso das geradas com plataformas de modelação, agile, "low code" ou "no code".

Basta que sejam permitidas ou melhor, não proibidas, as propostas variantes. Este é, simultaneamente, um desafio para as empresas nacionais inovarem ainda mais e, para o Estado, pode ser a oportunidade mais inteligente de inovar sem aumentar a despesa pública e reduzindo a dependência externa.

O CCP revisto tem agora vários ingredientes que permitem uma maior abertura à inovação. É um novo enquadramento legal que facilita e acelera a Transformação Digital, incluindo os desafios, para 2018, do SNC-AP (nova contabilidade pública), do RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados) e da Fatura Eletrônica, mas que, como sempre, fica sujeito à ousadia, coragem ou visão de quem decide.

Conclusões

Cabe ao gestor público fazer consultas mais inteligentes ao mercado, pedindo "o que" pretende, por exemplo: "soluções de climatização e refrigeração", em vez de especificar "como" o quer, neste caso, a "instalação (ou manutenção) de toldos e equipamentos de ar condicionado".

O IMPIC e a Autoridade da Concorrência devem assegurar que as boas práticas são cumpridas, dando sinais fortes, especialmente a quem, criativamente, queira continuar "à moda antiga" a insistir em comprar soluções obsoletas ou, nalguns casos, a sondar o mercado das inovações e depois usar essa informação para fins menos lícitos, de que está a prejudicar seriamente o Estado e a sociedade em que vivemos.

Cabe ao legislador melhorar o ponto 2 do Artigo 59.º.

(*) A descrição do caso real foi gentilmente cedida pelo Dr. Fernando Batista, Diretor Jurídico e de Contratação Pública do IMPIC.

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